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quinta-feira, 3 de julho de 2014

a equivocada interpretação de que o PL 6602/2013 compromete o art. 32 da Lei de Crimes Ambientais.

Sobre a equivocada interpretação de que o PL 6602/2013 compromete o art. 32 da Lei de Crimes Ambientais.

30 de junho de 2014 às 11:57

Muito alarde tem sido feito sobre o fato de que o PL 6602/2013 restringiria a aplicação do art. 32, §1º, da lei 9605/1998 (Lei de Crimes Ambientais), a saber,

Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.(grifo meu).

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.

O que poucas pessoas destacam é que na mesma Lei de Crimes Ambientais não há qualquer descrição, de nenhuma natureza, do que possa entender-se legalmente (e não cientificamente) como um significado para a expressão “recurso alternativo”.

O que seria um “recurso alternativo” aos olhos da lei brasileira?

Uma análise atenciosa das leis voltadas ao cuidado animal (sic) ou à regulamentação de seu uso (leis estas todas repletas de brechas, falhas, imprecisões e paradoxos), nos levam a constatar que inexiste nestas normas uma menção declarada ou definição precisa para o que possa entender-se por “recursos alternativos” , "técnicas alternativas" ou “métodos alternativos” (expressão esta última, mais comumente usada neste assunto):

- Nada consta da Lei de Proteção à Fauna (Lei 5.197/1967).
- Na Lei Arouca, no tocante às atribuições do CONCEA (artigo 5o, inciso III) consta apenas como sendo de sua competência “(...) monitorar e avaliar a introdução de técnicas alternativas (grifo meu) que substituam a utilização de animais em ensino e pesquisa;”. Apenas isso e nada mais.

Pois é apenas em um único instrumento legal brasileiro, do Executivo – haja vista ser um Decreto -, que encontra-se o significado do que seria um “recurso ou método alternativo”. Esta definição encontra-se no Decreto 6899/2009, instrumento este que regulamenta a Lei Arouca.

Vejamos :

Art.2o – Além das definições previstas na Lei no. 11.794 de 2008, considera-se, para efeitos deste decreto: (grifo meu)
..

II – métodos alternativos: procedimentos validados e internacionalmente aceitos que garantam resultados semelhantes e com reprodutibilidade para atingir, sempre que possível, (grifo meu) a mesma meta dos procedimentos substituídos por metodologias que:

a) não utilizem animais;
b) usem espécies de ordens inferiores;
c) empreguem menor número de animais;
d) utilizem sistemas orgânicos ex vivos; ou
e) diminuam ou eliminem o desconforto;

Resulta simples depreender do texto constante no inciso supracitado que apenas o item (a) caracteriza-se como sendo um método alternativo que não emprega animais de quaisquer espécie em seu desenvolvimento (método alternativo não-animal). O mesmo entretanto não pode ser afirmado no tocante aos itens que co-habitam esse inciso (métodos "alternativos" animais). O item (d), ainda que de forma indireta, continua vinculando o uso de animais na obtenção ou extração de órgãos, tecidos ou células e seu uso experimental na forma de sistemas orgânicos ex vivo - porém in vitro majoritariamente; e os itens (b), (c) e (e) claramente incorporam a filosofia dos 3Rs (Replacement, Reduction, Refinement – Substituição, Redução e Refinamento) como fundamento subjacente à sua execução. Não há dúvida portanto que os itens (b), (c), (d) e (e) utilizam-se de animais e mesmo assim SÃO CONSIDERADOS aos olhos da lei e à luz do Decreto 6899/2009 em seu artigo 2o, inciso II, métodos alternativos. Portanto, é justo dizer que o artigo 2o, inciso II, reúne numa mesma definição de métodos alternativos, aqueles procedimentos que empregam E aqueles que não empregam animais em sua execução. ESTA É A DESCRIÇÃO PRESENTE NA LEI BRASILEIRA.

Novamente: à luz da letra da lei (neste caso, o Decreto 6899/2009 o qual regulamenta a Lei Arouca), são considerados métodos alternativos quaisquer um dos itens ali descritos (animais e não-animais). Sem qualquer ordem hierárquica. Ainda que desejemos ter por entendimento que métodos alternativos são aqueles que prescindem do uso de animais integralmente (pois este é nosso desejo e objetivo), a legislação em tela determina que todos os cinco itens acima, sem qualquer ordem de prioridade explícita de um item sobre o outro, são considerados métodos alternativos no mesmo grau. O mesmo é dizer que um cientista que reduz o número de animais em sua experimentação ou que refine seu protocolo experimental que já utiliza animais, pode infelizmente, sem violar qualquer entendimento legal, nem utilizar-se de um absurdo jurídico, alegar (segundo este Decreto) estar adotando agora um método alternativo diante daquele que antes eventualmente praticava. Defender que há uma ordem hierárquica implícita na ordem do itens acima (itens a até e), seria o mesmo que dizer que o uso de um menor número de animais (item c) é preferível ao uso de sistemas orgânicos ex vivo (item d) - o que claro, não faz sentido à luz de uma interpretação ética ainda que o item (c) anteceda o item (d).

Portanto, considero que não procede a ideia de que o PL 6602/2013 comprometeria a penalização daquele que incorre na realização de experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos (haja vista que a expressão "recursos alternativos" para a lei brasileira agrupa tanto métodos que não utilizem animais como métodos que utilizam animais segundo a doutrina dos 3R).

É importante frisar: Tendo em vista que “recursos alternativos” segundo essa norma agrupa sem distinção ou atribuição de grau de prioridade métodos alternativos animais e não-animais num mesmo universo, não faz sentido acusar o PL 6602/2013 de patrocinar a crueldade ou experimentação dolorosa quando está prática já é permitida pelo próprio Decreto 6899/2009, o qual regulamenta a Lei Arouca. Se há alguma norma legal que patrocina a manutenção da crueldade, está é a Lei 11.794/2008 (todos concordamos com isso). O PL 6602/2013, na forma de uma alteração de trechos da Lei Arouca, busca exatamente o contrário (ainda que não segundo seu desejo orginal por pressão do Governo Federal) pois passa a impedir que o cientista use animais para casos especificados de forma muito clara (discussão mais abaixo).

Vejamos agora a configuração de trechos do PL 6602/2013 na versão em que este foi aprovado (com modificações) na Câmara dos Deputados (05/06/2014):

§7º. É vedada a utilização de animais de qualquer espécie em atividades de ensino, pesquisas e testes laboratoriais que visem à produção e ao desenvolvimento de produtos cosméticos, higiene pessoal e perfumes quando os ingredientes tenham efeitos conhecidos e sabidamente seguros ao uso humano ou se tratar de produto cosmético acabado nos termos da regulamentação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

§ 8º No caso de ingredientes com efeitos desconhecidos, será aplicada a vedação de utilização de animais de que trata o § 7º, no período de até 5 (cinco) anos, contado do reconhecimento de técnica alternativa capaz de comprovar a segurança para o uso humano.

§ 9º As técnicas alternativas internacionalmente reconhecidas serão aceitas pelas autoridades brasileiras em caráter prioritário.

O parágrafo § 7º esclarece que, para fins de ensino, teste, produção, pesquisa e desenvolvimento de produto cosmético (e higiene pessoal e perfumaria), com ingredientes cujos efeitos sejam conhecidos pelo estado da técnica e que se mostrem seguros ao uso humano, está vedado o uso de animais de quaisquer espécies. Além disso, o mesmo parágrafo prossegue dizendo que produtos cosméticos acabados (isto é, o produto final propriamente dito, por exemplo o batom, o rímel, o xampu, o esmalte, etc) não podem ser testados em animais. Simples assim. Duas restrições.

Não há dúvida portanto de que este parágrafo torna imperativa a proibição de uso de animais para experimentação quando os ingredientes tenham efeitos conhecidos e sabidamente seguros ao uso humano (o que os versados na técnica sabem, é uma parcela considerável da experimentação praticada em território nacional). Neste sentido, o parágrafo § 7º confere uma proibição de facto que em nenhum outro dispositivo legal brasileiro estava explicitamente declarada (já que, o artigo 20, inciso II do decreto 6899/2009, permite que métodos alternativos que usem menor número de animais sejam considerados tão válidos quanto outros enquanto alternativa metodológica). Novamente: no caso em questão (o do parágrafo § 7º do PL 6602/2013), o produto cosmético acabado E o produto cosmético constituído por ingredientes cujos efeitos sejam conhecidos pelo estado da técnica e que se mostrem seguros ao uso humano, tem como mandatória a exclusão do uso de animais em seus testes.

Como este assunto envolve certa terminologia técnica, é comum que sejam encontradas interpretações críticas bem intencionadas mas que por genuíno desconhecimento técnico, distorcem o real sentido do jargão científico existente nesta temática.

Prossigo em uma futura nota com maiores detalhes sobre terminologias técnicas que estão sendo mal interpretadas (acredito que com a melhor das boas intenções) e que estão comprometendo a interpretação do PL 66023/2013.

Cabe relembrar alguns números e fatos:

Testes animais na cosmética para produtos cosméticos acabados são proibidos na Europa desde 2004 (há 10 anos atrás).
Testes animais na cosmética para ingredientes cosméticos em cosméticos são proibidos desde março de 2009 (há 5 anos atrás).

Com o PL 6602/2013 (parágrafo § 7º), testes animais na cosmética com produtos acabados serão também proibidos no Brasil e testes animais na cosmética para uma parcela de ingredientes cosméticos também seráo proibidos no Brasil.

Toda essa energia combativa manifestada recentemente por algumas pessoas esteve realmente focada em trazer de fato essas mudanças europeias [proibição de testes animais na cosmética] para o Brasil? Se sim, porque não teve sucesso nestes últimos 5-10 anos?

Em seguida, análise dos parágrafos § 8º e § 9º do PL 6602/2013.

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