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segunda-feira, 21 de julho de 2014

Leonardo Maciel - O Veterinário Vegano!


MEDICINA VETERINÁRIA E VEGANISMO


Por Leonardo Maciel
Acredito que todos que comecem a cursar medicina veterinária tenham pelo menos simpatia e interesse por animais em geral. Eu pelo menos, decidi pela medicina veterinária muito cedo e o fator emocional foi decisivo. O mínimo que fiz foi recolher um cão com hidrofobia na rua e escondê-lo em casa por alguns dias. Não entendi a gravidade do fato na época, mas o que marcou mais foi o "desaparecimento" de todos os cães que conhecíamos da rua, cães semi-domiciliados, e que foram levados pela antiga corrocinha.Todos aqueles que esperavam a molecada na saída da escola desapareceram.
Logo no começo do curso, começa a dessensibilização do aluno, porque a "ciência"é usada com justificativa inquestionável em seus protocolos tradicionais de vivissecção e utilização de animais vivos no ensino e na pesquisa. Ensina-se que é normal matar, uma vez que as vidas dos animais podem ser usadas para um bem maior. Começa com uma rã, depois vem um ratinho, um coelho, um cão e um bovino. Ocorre um processo de desvalorização da vida incutido ao longo de anos na personalidade em formação.
O corpo docente é formado por uma tradição de pesquisador a pesquisador, quase de pai para filho. Certa vez, estava eu na biblioteca estudando doenças de felinos ao invés de assistir aula de produção de leite e um professor me abordou: "Você não tem vergonha de estudar doença de gato, enquanto estuda em uma universidade pública e o seu país passa fome? A função do médico veterinário é produzir alimento". Na época não retruquei, mas hoje perguntaria a ele: você tem fome de quê?
Às vezes saíamos muito cedo para um matadouro, escolhíamos a vaca que estaria mais próxima do parto e fazíamos uma cesariana. Apesar da lei que proíbe o abate de fêmeas gestantes, é difícil achar uma que não esteja, pois mais pesada vale mais a carcaça. Um filhote saiu já com pelos e mugindo com os líquidos placentários obstruindo as narinas. Tentei limpar mas o professor me impediu perguntando se eu ia levá-lo para casa e amamentar. Ele foi diminuindo os movimentos lentamente até parar e depois foi para a "graxaria", ser transformado em pó para rações de cães. A mãe foi levantada, e antes que pudesse lamber o feto, caminhou alguns metros e levou uma martelada na cabeça. O "crec" é impressionante. Trinta minutos depois ela estava distribuída em bandejas. Fiquei profundamente impressionado com a rapidez do "desmanche" mas ainda continuei consumindo carne por algum tempo, achando que o errado era eu se me recusasse.
Hoje sou vegano. Por coerência. Sinto dor todos os dias, ao pensar no tremendo equívoco que nossa espécie está cometendo com relação às outras. Dor por saber quão lentamente caminhamos e quanta dor causamos.
Os amigos perguntam se vivo de alface e soja, e porque não uso meus caninos, mas estou tentando usar meu coração e meu cérebro.
Participei de dois comitês de ética no uso de animais, mesmo sabendo que não há ética em se usar outra vida, mas fui voto vencido. Os comitês existem para ratificar o uso de animais, na maior parte para fornecer bolsas e fazer publicações em currículos.
Procurei amparo e justificativa para meus sentimentos em Peter Singer, Gary Francione, Sérgio Greif, Tom Regan, Martha Nussbaum, Pierre Guénancia, Sonia T. Felipe e tantos outros, mas cheguei à conclusão provisória de que a mudança é fundamentalmente pessoal. Sou professor de medicina de animais silvestres e vejo que não basta receber as informações, por mais convincentes que sejam. Não é suficiente para o passo seguinte. Vejo mais progresso em crianças recebendo educação ambiental em comunidades do que em muitos adultos com maior capacidade de interpretação.
A medicina veterinária não vai ajudar na abolição da escravidão das outras espécies pela espécie humana. Isto é obvio na atual conjuntura, mas poderia ser diferente. Nos cinco anos de curso, o aluno estuda clínica por menos de um quarto deste tempo, e o restante é utilizado para tecnologia de produção de alimentos de origem animal. Se for por este aspecto, a situação dos animais não humanos é pior ainda, porque não fazem parte do nosso círculo ético, não possuem direitos reconhecidos, não têm sua dor considerada e não possuem médicos para cuidar de sua saúde física. Se o animal for um cão, um gato, um cavalo ou uma ave engaiolada, terá mais sorte que um veterinário lhe dê atenção, mas para a maior parte das espécies o veterinário tem agido mais como um algoz. Veterinários e zootecnistas são hoje os responsáveis (num sentido bem amplo) pelo processo extremamente dispendioso, improdutivo e destrutivo de se usar animais para metabolizar vegetais e transformá-los em carne, ovos e leite para consumo humano, enquanto poderíamos pular esta etapa e consumir estes vegetais de forma mais saudável.
A medicina veterinária perde uma oportunidade de participar de uma revolução realmente moral, talvez a mais importante mudança em nossa sociedade desde que saímos das cavernas. Um novo patamar evolutivo. Os animais não humanos na maior parte das vezes precisam apenas de médicos para o corpo, enquanto nós continuaremos a precisar de médicos para o corpo e a alma enquanto cultivarmos e comermos violência.  

perfil leonardomaciel
Leonardo Maciel | leomaciel1965@gmail.com 
​Leonardo Maciel Andrade​ é ​graduado em medicina veterinária pela UFMG​, com aperfeiçoamento em clínica e cirurgia pela UFMG​. Mestre em clínica e cirurgia pela UFMG​. Especialista em animais silvestres​. Ex-parecerista dos comitês de ética da UFMG e PUC-MINAS​. Sócio proprietário do Animal Center Hospital Veterinário​,​ que recebe animais silvestres do tráfico e cativeiro clandestino​. Co-fundador da Associação Bichos Gerais​. Professor de clínica de animais silvestres da PUC-MINAS​.​
Olhar Animal - www.olharanimal.net

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