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segunda-feira, 21 de julho de 2014

AS TRES CATEGORIAS DE TRABALHO PELA VIDA ANIMAL

ABOLICIONISTAS, BEM-ESTARISTAS, SOCORRISTAS

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Por Dr. phil. Sônia T. Felipe
Sempre estranho as acusações de Francione contra Singer. Francione faz um trabalho inestimável, pois vindo do direito, acaba por dar um braço jurídico à defesa dos direitos dos animais, algo que a argumentação ética de Singer não pretende fazer.
Singer é abolicionista, embora não tenha usado tal expressão, que, se minha memória não me trai agora, foi usada apenas uma vez por Tom Regan. Essa vez eu a apanhei e passei a usar no Brasil, antes de qualquer outra pessoa.
Bem, estranho em Francione uma argumentação que não se sustenta, a não ser sobre os pilares da argumentação do Singer. Lá do alto, sentado sobre os ombros do gigante, obviamente o Francione vislumbra algo que Singer não chegou a elaborar com todas as letras, mas formatou numa matriz que Francione agora pode aplicar para fazer seus escritos.
Nunca vi Singer defendendo o onívorismo consciente. Mas, em seu livro, Ética na Alimentação, ele faz comparações entre quatro tipos diferentes de dietas. Nessas comparações, há passagens nas quais ele admite que é menos pior uma delas, do que as outras. Daí muita gente usar essas passagens para desqualificar Singer. Inclusive Francione. Lamentável.
Dizer que é menos pior passar pomada contra sarna no cão, do que deixar que ele fique sofrendo com as sarnas, não é abolicionista, obviamente, porque, o ato de passar a pomada no cão não o liberta do sistema de detenção ao qual está condenado, porque humanos gostam de eleger a espécie canina como objeto de estimação.
Mas, embora a posição abolicionista defenda a libertação total de todos os animais, e, veja, isso devemos historicamente, primeiro a Singer, e não a Francione, que só veio vinte anos depois de Singer, nenhum abolicionista genuíno condenaria qualquer pessoa que oferecesse água e comida a um cão sedento e esfomeado! Isso, é o que Singer admite, e o que fazem as protetoras de cães e gatos. Mas, isso, não é bem-estarismo, é um ato de compaixão, é “socorrismo”. Claro, se essas pessoas ficam apenas passando pomada nas áreas tomadas pela sarna, no cão, e não vão além disso, então elas não podem esperar dos abolicionistas nenhuma palmadinha de consolo no ombro.
Portanto, quando usamos o termo bem-estarismo, precisamos deixar claro que ele se destina a nomear o sistema de exploração e morte dos animais para beneficiar humanos, um sistema que aumenta as gaiolas e as correntes, fingindo que se preocupa com o bem próprio dos animais, e confundindo o bem que é específico e particular a cada indivíduo, com dar algum suprimento para que a “qualidade” do produto final não seja prejudicada.
Bem-estarismo não visa o bem dos animais, visa o lucro dos produtores e a segurança dos consumidores, por isso desperta tanta indignação nos abolicionistas. De fato, está errado usar esse termo para designar gente que não se importa com o bem próprio dos animais, gente que apenas diminui, quando o faz, o mal-estar deles.
Então, para não magoar tanto as pessoas que cuidam dos animais estragados pelas outras, poderíamos ter uma terceira categoria, que não seria referida com o termo bem-estarista, nem abolicionista, até prova em contrário, por exemplo, na falta de inspiração momentânea, “socorrista” animalista. Acho ótimo!
Temos, então, os bem-estaristas, esses que o Leon Denis, em sua Coluna Educação Vegana, [Contraponto – Parte III – A origem do mal] rudemente chamou com palavras duras, quero dizer, os que defendem o sistemão como ele está aí posto, apenas ampliando o espaço ou implementando algum alívio para os animais que seguem na fila da morte; os abolicionistas, que claramente se opõem à toda e qualquer forma de confinamento dos animais para exploração que beneficie humanos; e, finalmente, os socorristas, que cuidam dos animais estragados pelos primeiros, sem com isso dizer que são favoráveis ao confinamento e exploração dos animais. Esse último grupo não é bem-estarista, no sentido mais usado do termo, é “socorrista”. Ninguém, em sã consciência, pode criticar qualquer ser humano que venha em socorro de um animal, humano ou não-humano, ferido e em necessidade. Mas, também em sã consciência, ninguém pode parabenizar aqueles que se põem na posição bem-estarista, pois são eles quem sustentam o sistema.
Mas, que isso fique claro, nem todas as socorristas são abolicionistas. Nem todas as socorristas são bem-estaristas. Por haver uma enorme diferença na posição de umas, em relação a das outras, é que temos embates feios no movimento de defesa dos animais. Mas, esses embates, no que posso acompanhar, têm sido muito ricos, e sou uma filósofa feliz, porque introduzi esse debate teórico no Brasil e agora disponho dessa comunidade maravilhosa, da qual Gianna, Andresa, Sarah R., Vitor, Pedro, Luciano, Leon fazem parte, entre dezenas de outras pessoas, para poder aprofundar os conceitos. Devo a vocês, hoje, ter a faísca para entender que precisamos urgentemente de uma terceira categoria conceitual e ética, a de socorristas animalistas, designando as pessoas, que são milhares pelo Brasil afora, que vivem socorrendo animais feridos e abandonados pelo descaso dos demais.
Tenho muito respeito pelas socorristas. Tenho abjeção por bem-estaristas. Empenho-me pela abolição de todas as formas de exploração animal, sem especismos eletivos ou elitistas.
Resumindo:
Bem-estaristas= apoiam o sistema de exploração animal.
Abolicionistas= defendem a abolição desse sistema.
Socorristas= prestam serviço aos animais feridos ou abandonados pelo resto da sociedade, visivelmente bem-estarista, no sentido acima.

perfil soniaSônia T. Felipe | felipe@cfh.ufsc.br
Sônia T. Felipe, doutora em Teoria Política e Filosofia Moral pela Universidade de Konstanz, Alemanha (1991), fundadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Violência (UFSC, 1993); voluntária do Centro de Direitos Humanos da Grande Florianópolis (1998-2001); pós-doutorado em Bioética - Ética Animal - Univ. de Lisboa (2001-2002). Autora dos livros, Por uma questão de princípios: alcance e limites da ética de Peter Singer em defesa dos animais (Boiteux, 2003); Ética e experimentação animal: fundamentos abolicionistas (Edufsc, 2006); Galactolatria: mau deleite (Ecoânima, 2012);Passaporte para o Mundo dos Leites Veganos (Ecoânima, 2012); Colaboradora nas coletâneas, Direito à reprodução e à sexualidade: uma questão de ética e justiça (Lumen & Juris, 2010); Visão abolicionista: Ética e Direitos Animais (ANDA, 2010); A dignidade da vida e os direitos fundamentais para além dos humanos (Fórum, 2008); Instrumento animal (Canal 6, 2008); O utilitarismo em foco (Edufsc, 2008);Éticas e políticas ambientais (Lisboa, 2004); Tendências da ética contemporânea (Vozes, 2000).
Cofundadora da Sociedade Vegana (no Brasil); colunista da ANDA (Questão de Ética) www.anda.jor.br; publica no Olhar Animal (www.pensataanimal.net); Editou os volumes temáticos da RevistaETHIC@,www.cfh.ufsc.br/ethic@ (Special Issues) dedicados à ética animal, à ética ambiental, às éticas biocêntricas e à comunidade moral. Coordena o projeto: Ecoanimalismo feminista, contribuições para a superação da discriminação e violência (UFSC, 2008-2014). Foi professora, pesquisadora e orientadora do Programa Interdisciplinar de Doutorado em Ciências Humanas e do Curso de Pós-graduação em Filosofia (UFSC, 1979-2008). É terapeuta Ayurvédica, direcionando seus estudos para a dieta vegana. 
Olhar Animal - www.olharanimal.net

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