Felinos felizes? [Dr. phil. Sônia T. Felipe]
Então, há quem queira gatas e gatos por perto. Esses animais podem
gostar muito de você, de longe, pois eles gostam muito de espaço e
distância física, de lugares onde esconder-se quando não querem contato
algum, nem com humanos, nem com outros felinos ou animais de outras
espécies.
Eles gostam muito de exercitar a força e o fio das
garras, seu principal instrumento de defesa, roçando-as em material
fibroso e firme, tipo cordas, tapetes ou tecidos não tão maleáveis, por
isso o sofá é perfeito.
Cortar-lhes as unhas é doloroso, pois elas estão em uma área muito enervada, justamente a área-escudo do felino, suas patas.
Ruídos de motores podem ser muito agressivos para eles. Prisão idem.
Castigos sem conexão imediata com alguma ação desastrada também. Parece
que seus cérebros funcionam predominantemente por impulso amigdalar, o
que quer dizer, o medo é a emoção de autopreservação mais urgente e suas
reações são impulsionadas por ele.
O gato se estressa se for
obrigado a ficar o tempo todo exposto à presença humana ou de outros
animais. Se ele fica um tempão deitado imóvel em algum espaço de grande
circulação, pode crer que está sob efeito de profundo estresse, a ponto
de praticamente não ter mais reação alguma.
Ah! Felinos fazem
ruídos também, especialmente quando estão engajados em atividades
reprodutivas. Castração é medida para manter o bem-estar dos humanos em
ordem, mas para o animal é violência, pois altera não apenas sua
fisiologia e seus mecanismos naturais de expressão do ser que ele nasceu
para ser, mas também sua mente, atrofiando-a. A castração tem um custo
para o espírito e o corpo do animal. Um deles é a obesidade, outro é
confusão em sua identidade felina, que deixa de ser expressa na forma
que seria natural.
Por outro lado, deixar felinos se reproduzirem
à vontade gera ainda mais dor e sofrimento, pois não há humano capaz de
arcar com a demanda de centenas de gatos reproduzidos por uma única
fêmea ou macho, muito menos pelas centenas que cada novo filhote traria
ao mundo no mesmo ambiente confinado de seus progenitores.
Então, para que o humano aguente a demanda da proteção da vida dos
felinos e de seus dependentes que estão sob sua guarda, não há outra
saída, por ora, a não ser a castração. Dilema: se não castra respeita a
natureza do animal e condena centenas deles ao abandono e prisão sem
espaço adequado. Se castra viola a natureza e espírito do animal.
Se os animais não houvessem sido trazidos para as cidades, se ainda
estivessem no campo, não haveria explosão reprodutiva. Mas a proteção
que a residência urbana lhes propicia e a garantia de alimento, sem os
quais, na natureza, não há gravidez, respondem por sua eficiência
reprodutiva. Dilema: se não traz para casa, o animal sofre todo tipo de
agressão nas ruas. Se traz, sofrerá a violência da castração, que
poupará daqueles outros tormentos centenas de indivíduos.
Ainda
não temos um método de contenção da reprodução que não seja também ele
violento para o animal. A escolha, hoje, é entre dois males, nada além
disso. Ainda não é uma escolha ética genuína, pois escolhemos entre
causar um mal ou outro, e isso já indica que a decisão não é ética,
pois, para ser ética, precisa provar que vem para trazer o bem para o
animal. Como encontrar a saída ética que seria a da contenção da
reprodução sem a atrofia do espírito e as sequelas no corpo? Ainda não
temos estudos, mas teremos!
Outro dilema é quanto à dieta. Se os
gatos pudessem circular livremente nas áreas naturais, se não ficassem
retidos e detidos dentro das casas e apartamentos, eles supririam suas
necessidades aminoácidas com a caça de insetos, de pequenos roedores e
de aves, portanto, com uma dieta diversificada.
Aprisionados,
eles dependem exclusivamente dos nutrientes fornecidos pelas rações
industrializadas. Com isso, ter gatos em casa significa proteger a vida
de um indivíduo da espécie felina, sabendo que as vidas de outros, de
outras espécies (vitelos, frangos e peixes, por exemplo) não serão
protegidas, muito pelo contrário. Um dilema especista eletivo!
É preciso seguir na busca de uma solução ética para tantos desafios, postos pelo desejo humano de ter próximo a si o felino.
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