Reducionismos não levam ao abolicionismo
O texto do PLC 6602/13 apresentado inicialmente era abolicionista. O substitutivo foi reducionista.
Mas não houve aviso algum de que havia uma profunda diferença entre o primeiro texto e o texto final.
Então,
se é para ir para Brasília fazer leis dessas, que, aliás, nada mudarão,
pois leis proibindo tais práticas já existiam, então, melhor mesmo é
não fazer novas leis e tratar de aplicar corretamente as que já existem,
até que uma nova consciência e novos parlamentares sejam conduzidos ao
Planalto.As mesmas entidades governamentais que estavam lá e decidiram pelo texto que o proponente concordou em deixar ser votado, são as que nada fazem para proteger os animais da prática vivissectora, pois estão diretamente ligadas à vivissecção.
As leis em vigor, como a Lei de Crimes Ambientais, aí estão desde 2008. Nenhum canil com fachada de laboratório que pesquisa a “cura do câncer” foi fechado nesse país, mesmo depois que a Lei Arouca deu a responsabilidade de conceder e de tirar as licenças de funcionamento de laboratórios vivisseccionistas a um conselho nacional.
Nada se faz, quando as leis são propostas reducionistas. A quem acham que uma lei reducionista “para inglês ver”, como essa, consegue enganar? Aos animais? E quem diz que “ama os animais” ainda precisará entender que bem-estarismo e reducionismo não são passos graduais para o abolicionismo, são passos lerdos, para atrasar a abolição, porque o que as pessoas pensam é que já existem leis que defendem o direito à vida dos animais, e então acham que não precisam fazer mais nada.
Para abolir uma prática, a luta tem que ser abolicionista e não reducionista. Desde 1822 há leis proibindo maus-tratos contra os animais (bovinos, equinos) na Inglaterra. Leis bem-estaristas. Por que será que essas leis não atingiram seus fins?
Porque, enquanto os seres humanos tiverem o direito de usar os animais, de manter animais sob sua custódia, de explorar seus corpos e de tirar-lhes a vida, as leis bem-estaristas e reducionistas nada conseguirão para proteger os animais de quaisquer dessas formas de apropriação indevida de seus corpos e de suas vidas.
Não dava para fazer aprovar o texto abolicionista proposto inicialmente? Não dava mesmo. Porque para chegarmos a esse ponto precisa muito trabalho teórico, muita discussão ética. As pessoas acham que se elas amam um tipo de animal, não é possível que as outras não entendam o quanto a vida dos animais é valiosa. Não funciona assim. Para a maioria absoluta das pessoas a vida dos animais só tem valor se servir a algum propósito humano. Isso é valor instrumental. O valor que os vivisseccionistas veem na vida dos animais que usam para fazer seus testes cosméticos e de outros produtos de todo tipo.
Sônia T. Felipe, doutora em Teoria Política e Filosofia Moral pela Universidade de Konstanz, Alemanha (1991), fundadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Violência (UFSC, 1993); voluntária do Centro de Direitos Humanos da Grande Florianópolis (1998-2001); pós-doutorado em Bioética – Ética Animal – Univ. de Lisboa (2001-2002).
Autora dos livros, Por uma questão de princípios: alcance e limites da ética de Peter Singer em defesa dos animais (Boiteux, 2003); Ética e experimentação animal: fundamentos abolicionistas (Edufsc, 2006); Galactolatria: mau deleite (Ecoânima, 2012); Passaporte para o Mundo dos Leites Veganos (Ecoânima, 2012); Colaboradora nas coletâneas, Direito à reprodução e à sexualidade: uma questão de ética e justiça (Lumen & Juris, 2010); Visão abolicionista: Ética e Direitos Animais (ANDA, 2010); A dignidade da vida e os direitos fundamentais para além dos humanos (Fórum, 2008); Instrumento animal (Canal 6, 2008); O utilitarismo em foco (Edufsc, 2008); Éticas e políticas ambientais (Lisboa, 2004); Tendências da ética contemporânea (Vozes, 2000).
Cofundadora da Sociedade Vegana (no Brasil); colunista da ANDA (Questão de Ética) www.anda.jor.br. Coordena o projeto: Ecoanimalismo feminista, contribuições para a superação da discriminação e violência (UFSC, 2008-2014).
Foi professora, pesquisadora e orientadora do Programa Interdisciplinar de Doutorado em Ciências Humanas e do Curso de Pós-graduação em Filosofia (UFSC, 1979-2008). É terapeuta Ayurvédica, direcionando seus estudos para a dieta vegana.
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