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sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Não há bem-estar na vida dos condenados


Escrito em por
Artigos, Artigos sobre Direitos Animais.

Bem-estar é conveniente para continuidade do consumo de animais

Na zootecnia, o bem-estar do animal é definido por parâmetros de conforto físico e psicológico mínimos, limitados pelos interesses do agronegócio. Então, água, comida, abrigo e espaço, tudo é “melhorado” para os animais, desde que representem melhora na qualidade das carnes, dos ovos, da lã e do leite, e não solapem os lucros da produção.

Portanto, quando se ouve a expressão “bem-estar” vinda de alguém que vive da exploração dos animais, ouve-se algo como “estado de conforto mínimo para o animal”. Não é o que se costuma propagandear para incentivar as pessoas a comprarem esses produtos finais.

Na psicologia animal, o bem-estar é definido pelo estado físico do animal, integridade do corpo e resistência psíquica e emocional às agressões sofridas pelo manejo. Os veterinários etólogos, profissionais habilitados para a observação dos comportamentos e do estado físico e psíquico dos animais, levam em consideração comportamentos que o animal pode ter quando vive livremente e os comparam com os que o animal manejado tem. A partir disso admitem que o “bem-estar” do animal foi violado, ou não.

Hoje, a maioria dos animais explorados e mortos para consumo humano, especialmente os suínos, as aves, os vitelos e as vacas usadas para extração do leite, vivem completamente manejados, mesmo que os espaços do confinamento sejam algumas vezes maiores.

O confinamento é a condição básica de todos os animais manejados para abate ou extração de leite e ovos. Os animais criados soltos são raros. E a vida desses é usada para se fazer a propaganda de tudo o que deriva dos outros, criados e mortos em confinamento. Isso engana as consumidoras e consumidores.


Na perspectiva da ética animal, não se deveria falar de bem-estar de nenhum animal manejado. Do que se trata é do bem próprio da vida de cada animal, do bem específico que sua vida lhe teria propiciado, se ele não houvesse nascido na prisão do sistema de produção de alimentos animalizados.

Nesse sistema, tudo é manejado visando lucros para os humanos, desde as sensações físicas, até o espaço, a comida, a sexualidade e a morte. Tudo é planejado para beneficiar os propósitos humanos.

Então, falar de bem-estarismo animal, como bem se pode ver, é usar uma expressão convenientemente adotada pelo agronegócio, pelos zootecnistas e pelos consumidores, que preferem aliviar sua consciência, mantê-la no conforto do seu bem-estar, do que abolir o consumo de derivados de animais, um consumo que jamais pode representar qualquer bem para os animais. Bem-estarismo é um termo conveniente para a consciência alienada dos consumidores não-veganos.

Na ética animalista genuína, não falamos do bem-estar dos animais, porque seria muita hipocrisia.

Quando prendemos o corpo de um animal num cercado construído por nós, humanos, para poder dominar esse animal e obter dele tudo o que queremos, incluindo suas carnes, ovos, leite, lã etc., não estamos preocupados com o bem próprio dele, mas com os benefícios que o consumo de seu corpo trará para nós.

Não há bem-estar algum em nascer, viver e ser morto num sistema criado para produzir animais como se fossem itens ou commodities e, em sua fase de bebês, leva-los à morte para encher o prato humano.

Do bem-próprio do animal, disso os zootecnistas, os consumidores e os agronegociadores nunca falam. Então falam do bem-estar, para disfarçar. E, nós, filósofas, falamos do bem próprio, exproriado deles do dia do nascimento ao da morte.

Sônia T. Felipe, doutora em Teoria Política e Filosofia Moral pela Universidade de Konstanz, Alemanha (1991), fundadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Violência (UFSC, 1993); voluntária do Centro de Direitos Humanos da Grande Florianópolis (1998-2001); pós-doutorado em Bioética – Ética Animal – Univ. de Lisboa (2001-2002).

Autora dos livros, Por uma questão de princípios: alcance e limites da ética de Peter Singer em defesa dos animais (Boiteux, 2003); Ética e experimentação animal: fundamentos abolicionistas (Edufsc, 2006); Galactolatria: mau deleite (Ecoânima, 2012); Passaporte para o Mundo dos Leites Veganos (Ecoânima, 2012); Colaboradora nas coletâneas, Direito à reprodução e à sexualidade: uma questão de ética e justiça (Lumen & Juris, 2010); Visão abolicionista: Ética e Direitos Animais (ANDA, 2010); A dignidade da vida e os direitos fundamentais para além dos humanos (Fórum, 2008); Instrumento animal (Canal 6, 2008); O utilitarismo em foco (Edufsc, 2008); Éticas e políticas ambientais (Lisboa, 2004); Tendências da ética contemporânea (Vozes, 2000).

Cofundadora da Sociedade Vegana (no Brasil); colunista da ANDA (Questão de Ética) www.anda.jor.br. Coordena o projeto: Ecoanimalismo feminista, contribuições para a superação da discriminação e violência (UFSC, 2008-2014).

Foi professora, pesquisadora e orientadora do Programa Interdisciplinar de Doutorado em Ciências Humanas e do Curso de Pós-graduação em Filosofia (UFSC, 1979-2008). É terapeuta Ayurvédica, direcionando seus estudos para a dieta vegana.

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